Nesta semana, no dia 28, o calendário me traz uma mistura única de sentimentos. É o meu aniversário – um dia que, desde sempre, foi motivo de celebração, de encontros, de abraços apertados e muita alegria. Contudo, esse dia também carrega consigo a memória da Marcella, minha filha que partiu em 2022, e que faria 37 anos. O fato de a Marcella ter nascido no mesmo dia e na mesma hora que eu, com 19 anos de diferença, foi uma das coincidências mais marcantes do destino para mim e eu já falei sobre isso aqui. Durante os 34 anos em que ela viveu, aquele dia sempre foi mais dela – um momento em que, mesmo sendo nossa celebração, o brilho dela iluminava a ocasião. Hoje, dissociar a festa do meu dia pessoal da ausência física dela é um desafio que me acompanha.
Durante toda a minha vida, celebrei cada aniversário com entusiasmo e gratidão, mas desde a partida da Marcella, o dia 28 de março se transformou em dia de introspecção, de saudade e, ainda, de renovação. Não que eu negue ou minimize a dor da perda – eu aceitei a partida dela como parte da vida e agradeço a Deus todos os dias pelo privilégio de ter sido mãe de uma pessoa tão especial. Por outro lado, a falta da Marcella é como uma sombra que insiste em lembrar que, embora o tempo passe, certas marcas permanecem. O abraço apertado dos amigos, o carinho dos familiares e as mensagens de boas energias se entrelaçam com a ausência que dói, deixando esse dia carregado de sentimentos diversos.
Lembro-me como se fosse ontem dos aniversários que já vivemos juntas: os almoços regados a gargalhadas, as conversas animadas, a sensação de que cada fatia de bolo celebrava não apenas a passagem de mais um ano de vida, mas também a união de uma família que se completa no riso e no afeto. Meus pais, às vezes meus irmãos com suas famílias, os amigos – todos se reuniam num ritual simples, mas cheio de amor. Hoje, é inevitável sentir falta de cada detalhe, mas também é um convite para refletir sobre a importância de celebrar a vida mesmo quando ela se veste de tristeza.
Desde que a Marcella veio morar comigo em Belo Horizonte até alguns anos antes de ela morrer, meus pais faziam questão de marcar presença nos nossos aniversários. Era uma alegria só. O aniversário de 15 anos foi em um salão de festas. No de 20, chamamos muitas das pessoas que passaram pela vida dela, como fisioterapeutas, fonoaudiólogas… Houve um tempo em que ela passou a não gostar do “Parabéns pra você”. Nessa fase, que durou alguns anos, a gente não cantava pra ela não chorar. Houve ano em que insistimos em cantar e ela abriu a boca, num choro alto e sentido. Eu nunca soube a razão disso, mas foi algo que veio e passou. Logo em voltou a curtir.
É curioso como a dor da perda se torna, com o tempo, uma espécie de companheira silenciosa. Ela não desaparece, mas se transforma numa lembrança constante, que nos ensina a valorizar cada instante e a viver de forma mais plena. Para mim, esse aniversário é uma oportunidade para conversar com outras mães que já perderam um filho. Sei muito bem que, depois de uma dor tão intensa, o jeito de lidar com os dias de festa se transforma. Não é uma dependência emocional, mas sim uma forma de ressignificar as lembranças, de encontrar na dor a possibilidade de um novo entendimento.
Aos poucos, aprendi que aquele dia, que um dia foi revestido de tanta festividade, pode ser encarado como um espaço de reflexão e de amor. Não se trata de negar a saudade, mas de permitir que ela conviva com a gratidão pelos momentos vividos e pelas lições aprendidas. O aniversário da Marcella sempre foi, para mim, um exercício de coragem. É olhar pra trás com amor e também para o futuro com a esperança de que, mesmo em meio à dor, encontramos forças pra continuar. Acredito que essa experiência – embora única e profundamente pessoal – pode trazer algum conforto a outras mães que enfrentam a mesma batalha interna.
Quando me perguntam “O que você vai fazer no seu aniversário?”, muitas vezes respondo que não planejei nada, que prefiro deixar o dia acontecer de forma diferente. E tem razão nisso: hoje a comemoração não se resume simplesmente a festas ou encontros. É um dia de reflexão, de memórias e de pensamentos que me fazem repensar o significado da vida. É um tempo em que a celebração da existência se mistura com a dor da perda e, acima de tudo, com a certeza de que cada momento, por mais efêmero que seja, tem um valor imensurável. Hoje, eu abraço a dualidade desse dia: a alegria por estar viva e o pesar por não ter a Marcella ao meu lado.
Ao compartilhar essa história, quero tocar especialmente o coração das mães que, assim como eu, carregam a cicatriz de ter perdido um filho. Sei que não é fácil encarar o espelho e enxergar a ausência de um ser tão amado. Contudo, também aprendi que é possível transformar a dor em aprendizado, em empatia. Perder alguém que você ama é uma marca que jamais se apaga, mas essa marca pode se transformar numa fonte de força, permitindo-nos ajudar outras pessoas a encontrar sentido em meio à adversidade. O meu aniversário, hoje, é uma oportunidade para mostrar que, mesmo quando a saudade aperta, há um caminho para a cura, mesmo que ele seja lento e cheio de altos e baixos.
Essa transformação vem do entendimento profundo de que a vida segue, e que a memória da Marcella continua viva não apenas em mim, mas também em cada pessoa que compartilhou momentos de ternura e solidariedade. A cada mensagem acolhedora que recebo, a cada abraço apertado, sinto que não estou só nessa jornada. É preciso reconhecer que a dor da perda pode ser um elo entre aquelas pessoas que se entendem por terem passado por algo similar. E é justamente nesse encontro de almas que encontramos a solução para superar momentos difíceis: na união, no compartilhamento de histórias e na certeza de que o amor, mesmo em forma de saudade, permanece.
Com o tempo tenho aprendido a lidar com a dualidade dos dias que me lembram tanto a Marcella quanto a minha própria existência. Hoje, faço uma convivência honesta com o luto: ele não é um inimigo que precisa ser vencido, mas um companheiro que me lembra do quanto é precioso cada instante de amor e aprendizado. E é essa convivência que quero transmitir a todas as mães que se veem lutando com a ausência, o silêncio e a saudade. Não estamos sós, e cada lágrima pode dar lugar a um sorriso quando encontramos a força de relembrar com carinho.
É inevitável que, em certos momentos, a tristeza queira ofuscar a alegria de simplesmente estar viva. Mas, ao mesmo tempo, nossa experiência nos ensina que não precisamos escolher entre se permitir sentir a dor e celebrar a vida. Ambas as experiências podem coexistir. O meu aniversário, hoje, é um convite para abraçar essa dualidade: reconhecer a importância do luto, mas também celebrar a resiliência que nos impulsiona a seguir em frente, mesmo quando os dias parecem longos e solitários.
Hoje, eu escolho celebrar a minha vida, mesmo que de um jeito diferente. Escolho reconhecer que, em alguns momentos, a ausência se faz presente, mas que ela convive com uma força transformadora que nos impulsiona a buscar sentido em tudo o que vivemos. Cada mensagem de carinho, cada lembrança compartilhada e cada abraço recebido se tornam ingredientes para uma nova forma de comemorar o dia 28 de março. Assim, transformo o luto em aprendizado e a saudade em memória viva.
Minha mensagem para você, que enfrenta a dor de ter perdido alguém, especialmente se foi um filho, é que a jornada do luto não precisa ser solitária. Que, mesmo quando o coração parece apertado demais, é possível encontrar caminhos para se reencontrar e seguir em frente. Que a memória do ser amado pode se transformar numa luz que ilumina o caminho, mostrando que há beleza até mesmo nos dias sombrios. E que, ao compartilhar nossas histórias, ajudamos a criar uma rede de apoio que pode aliviar, mesmo que por um instante, a sensação de isolamento.
Permito-me viver com toda a intensidade. Celebro as conquistas, abraço as memórias e permito que cada sentimento tenha seu espaço. Não há fórmula mágica para superar a dor, mas há a certeza de que cada um de nós tem a capacidade de transformar a tristeza em força, e a saudade em amor. A ausência de um ente querido não diminui o valor da vida – ela, na verdade, ressalta a profundidade dos vínculos que construímos.
Ao celebrar mais um ano de vida e recordar a Marcella, reafirmo meu compromisso de compartilhar essa jornada com honestidade e sensibilidade. Que minhas palavras sirvam de incentivo para que outras mães encontrem, mesmo que aos poucos, uma maneira de ressignificar a dor e transformá-la em um legado de amor. Afinal, cada lágrima, cada sorriso e cada instante de superação são testemunhos de que a vida, com todas as suas nuances, merece ser vivida com coragem e gratidão.
Em resumo, este dia, que para muitos pode parecer carregado de tristeza, é também um convite para a reflexão e o reencontro com a própria essência. É uma oportunidade para todas nós – mães que perderam seus filhos, mães que vivem o duelo da ausência e mães que encontraram a força para transformar essa dor em inspiração – de celebrar a vida mesmo quando o coração se encontra dividido entre o luto e a esperança.
Que esta história inspire você a olhar para dentro, a acolher cada sentimento e a encontrar, mesmo em meio às dores do passado, a luz que ilumina o presente. Pois, na verdade, celebrar a vida é também celebrar o amor que transcende o tempo e o espaço, mantendo viva a memória dos que partiram e fortalecendo nossa capacidade de seguir em frente.
A cada ano que passa, vou carinhosamente homenagear a Marcella enquanto celebro meus próprios instantes. Essa é a minha forma de lidar com a ausência, transformando o sofrimento numa lembrança de amor – um amor que, mesmo ausente fisicamente, permanece como a força que impulsiona as minhas conquistas.
E assim, deixo aqui essa mensagem de acolhimento e esperança, para que, se você também enfrenta a dor de perder um filho, saiba que a caminhada pode ser trilhada com fé e resiliência. Afinal, a vida segue, e cada novo amanhecer traz consigo a possibilidade de um recomeço – um recomeço pautado na superação, no amor e na certeza de que, mesmo quando o coração se parte, ele se renova a cada batida.
Espero que, ao ler estas palavras, você encontre um pouco do conforto que procuro transmitir, e que essa jornada, compartilhada com tanto carinho, ajude a transformar a saudade em força, a lágrima em aprendizado, e a dor em uma homenagem permanente àqueles que amamos. Afinal, viver é confiar que cada história, por mais complexa que seja, tem um significado profundo, capaz de iluminar os caminhos daqueles que se atrevem a seguir em frente.
Que a memória da Marcella e o meu reencontro com a vida se unam para mostrar que o amor nunca se perde – ele se transforma, se propaga e, principalmente, inspira outras a encontrarem luz mesmo nos dias mais escuros.
Desde já o meu abraço, desejando-lhe um FELIZ ANIVERSÁRIO.
Obrigada!