Perder alguém que amamos profundamente transforma nossa vida de muitas maneiras. Eu perdi uma filha e, longe de mim achar que a minha dor é maior do que a dos outros, mas vamos combinar que a dor de perder um filho é insuportável. Posso te falar a verdade? Eu senti dor física de tanta saudade. Os primeiros meses foram muito, muito difíceis.
Marcella tinha paralisia cerebral e viveu 34 anos. Era linda! Cabelos lisos e pretos, sempre magrinha, olhos atentos, mesmo que não estivessem vendo. Ela não andou, não falou, não enxergou… Viveu em completa dependência, tinha muitas limitações e sorria. Isso mesmo! A minha Marcella não reclamava, ela gostava mais de sorrir. De tudo, o que sinto mais saudade é daquele sorrisão.
Outro dia, vi ou ouvi em algum lugar uma pessoa falar sobre a dor de uma mãe enlutada. Eu concordei com a pessoa. É curioso como o luto tem nomes específicos para certas relações: filhos que perdem pais são órfãos, maridos que perdem esposas são viúvos. Mas e nós, mães que perdemos filhos? Talvez não haja uma palavra que capture plenamente essa experiência, pois é uma ausência que desafia a linguagem e o entendimento.
Sei que Marcella não é uma ausência constante. Ela é uma presença constante na minha vida. Eu tenho aprendido a lidar com a perda, e pra isso, lembro dela sempre. Eu tenho tem tanta história pra contar sobre os 34 anos que ela viveu. Divido a minha vida assim: até os 19 anos, sem a Marcella, daí até os 53 com ela e depois, sem. É ter que viver sem, depois de ter passado pela maravilhosa experiência de ter sido mãe de um anjo. Então, ela está sempre por aqui e eu gosto de acreditar nisso.
Tem uma curiosidade: Marcella nasceu no mesmo dia em que eu. E na mesma hora. Pois é! Nascemos, as duas, aos 45 minutos do dia 28 de março, com 19 anos de diferença. Eu sempre achei essa coincidência bonita e isso foi algo que nos conectou a vida toda.
Eu tive muita dificuldade em arrumar o quarto, em acreditar que ela não estava na cama, no sofá, na cadeira de rodas… Algumas vezes, me peguei com a porta da geladeira aberta, selecionando os legumes para a sopa dela. Por um breve instante, parecia que ela estava ali.
Eu ainda choro com certa frequência, mas sinto que a dor está dando lugar a uma saudade leve, reconfortante. Agora é comum eu me pegar lembrando de algum momento com ela e rir de maneira espontânea e verdadeira. A gente teve muitos momentos bons, muitos.
A correria por consultórios de médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais rende muitos outros artigos para serem postados aqui. Por ora, fico com a lembrança doce de um anjo que passou pela minha vida e sorriu pra mim.