Sempre tive um carinho imenso pelas minhas avós. Nasci em Virgem da Lapa, cidade da minha avó materna, onde vivi com minha família até os seis anos de idade. Depois, nos mudamos para Minas Novas, uma cidade próxima de onde as duas avós moravam. Meu pai, transferido no trabalho, escolheu um lugar que não nos afastasse tanto das nossas raízes familiares. Assim, ficamos no caminho entre as duas avós.
Honro muito as duas. Neste post, vou falar da minha vó materna, vó Isabel, e de tudo o que a casa dela representou e ainda representa pra mim. Vó era gordinha. Na verdade, hoje eu não vejo assim. Ela era barriguda e isso fazia ela parecer gorda. Não! Eu não sou gordofóbica, é que essa condição identifica demais a minha vó. Hoje pode ser visto como muito preconceituoso, mas todos na cidade a conheciam por Isabel Gorda. Em Minas Gerais temos o hábito de conhecer as pessoas ao saber quem são seus pais. É a famosa frase dita em bom mineirês: Cé é fi de quem?, que tanto representa os mineiros. Então, com a gente era assim:
- Você é filha de quem?
- De dona Nelina.
- Nelina de Isabel Gorda?
- Sim.
Sem qualquer constrangimento, sempre respondi a essa pergunta com orgulho de minha avó, uma senhora muito, muito vaidosa. E também muito corajosa, alegre, independente e forte, que usava roupas bonitas, em cores vivas e não ficava sem batom.
A casa de vó Isabel é uma das doces lembranças da minha infância. Lembro pouco de quando morávamos na mesma cidade. Sei que era só atravessar a rua e chegava e que eu e meus irmãos íamos lá todos os dias. Após nossa mudança, a casa de vó tornou-se o destino das férias, em julho e dezembro.
Devo ir logo dizendo que não era uma casa só nossa. Era de muita gente. Vó tinha uma pensão em casa. A Pensão Globo. Logo na entrada tinha um corredor com os quartos destinados aos hóspedes e acabava aí a privacidade. O banheiro era único, a sala de TV e de jantar também. A gente dormia na parte que ficava depois da sala, onde tinham alguns quartos da família, outros de hóspedes, a cozinha, a sala de jantar e descendo a escada que vai para o quintal, o banheiro.
Com exceção do sono, todas as outras atividades eram feitas junto aos hóspedes. Lembro de assistir à Copa do Mundo de 1982 naquela sala, rodeada por eles, todos homens. Tinha gente de todo lugar, com as mais diversas histórias pra contar. Eu adorava conversar com os hóspedes e talvez venha dessa fase a minha paixão por também contar histórias. A gente interagia tanto com aquelas pessoas que parecia que eram da família. Eu e meus irmãos até pegávamos carona com um deles, que era representante comercial e ia sempre a Minas Novas. Era carona de ida e, às vezes, de volta para a casa de vó.
A casa tinha cheiro e gosto de infância. E a comida? Não existia nenhuma mais gostosa. A gente adorava. Como era pensão, a diversidade era vasta: carne de boi, porco e frango num mesmo prato, um banquete para qualquer criança.
Das peças de decoração, lembro da radiola que enfeitava a sala. Foi ali que ouvi pela primeira vez a música “Geni e o Zepelin”, de Chico Buarque. Um tanto inapropriada para uma criança e para uma casa de vó. Creio ser coisa dos meus tios mais novos, que não têm grande diferença de idade para os sobrinhos.
Os sábados eram incríveis. Ainda hoje no interior de Minas tem a feira de mercado – que merece um post próprio – aos sábados. Tem frutas, verduras, legumes, carne, requeijão, queijos, pimentas, uma variedade de coisas. Vó se arrumava toda pra ir à feira. E se eu estivesse lá, passando férias, era companhia frequente naquele que pra ela era um evento.
Vó comprava uma carga inteira, destes cestos que ficam presos no cavalo, de laranja, outra de abacaxi e na época certa, de manga. O vendedor a acompanhava até em casa e despejava a carga todinha no corredor, enchendo a casa de alegria e frutas rolando pelo chão.
Tudo naquela casa era resolvido por ela. Meu avó José era um marido que havia entendido há muito tempo a mulher que tinha. Ele não estava nem aí para o fato de ela ser a grande figura da casa. Quando chegava um hóspede de madrugada, era ela quem atendia a porta. Não tinha medo e impunha muito respeito junto àqueles homens que entravam e saíam da casa dela. Vô a amava do jeitinho que ela era.
Eles eram um casal admirável. Tenho uma lembrança da rotina dos dois, que é muito presente. Vô depilava as axilas da minha avó com a navalha com a qual ele se barbeava. Eu achava estranho e bonito. Ela levantava os braços, próximo à janela, por causa da luz e ele, cuidadosamente, fazia o serviço.
Faz um tempo que eles morreram. Primeiro meu avô e alguns anos depois vó Isabel foi se juntar a ele. A casa com portas em madeira, pintada em tinta óleo cinza, cheia de quartos e cheirando comida gostosa, não existe mais em sua forma física. Mas está muito viva nas nossas memórias. Era uma pensão que nunca deixou de ser a casa de vó.
Claudinha, adorei as histórias, vou ficar muito feliz se eu continuar lendo. Adorei a “Casa de Vó”. Peço a Deus que os meus netos lembrem de mim assim, boas lembranças, admiração! Vc é demais!
Oi, Cláudia! Obrigada pelo carinho e volte sempre pra ler mais por aqui. Tenho certeza que seus netos vão ter muitas lembranças boas de você e da sua casa.
Prima, às lágrimas que caíram de meu rosto foi da sensação de estar vivendo algo que não vivi, mas que gostaria de ter vivido.A casa da nossa vó, nos deixou saudades e você conseguiu retratar de forma fiel o que ela representou para cada um de nós…Muito obrigada, por me fazer recordar dessa época de maravilhosa.Sucesso!
Ah, que bom que você reviveu boas lembranças. A casa de vó era puro afeto, por isso a gente guarda todo esse carinho. Beijo.