A pequena tirana
Ah, a vírgula! Esse sinal de pontuação que, mesmo sendo minúsculo, tem o poder de causar grandes dores de cabeça. Se você já se pegou olhando para uma frase, se perguntando onde diabos colocar aquela vírgula, você não está sozinho. Mesmo os entendidos às vezes tropeçam nesse labirinto de regras. A vírgula é como aquele amigo intrometido que sempre quer se meter nas conversas, mas que, quando colocada no lugar certo, transforma um simples bate-papo em uma boa prosa. E quando está no lugar errado? Bem, aí ela se transforma em um verdadeiro desastre. Vamos começar com o básico: a vírgula não deve separar o sujeito do predicado. Parece simples, mas na prática, é fácil escorregar. Veja só: “O gato, dormiu.” Não! O gato dormiu, sem pausas dramáticas, por favor. Agora, quando usamos o “mas”, a vírgula é bem-vinda. Pense no “mas” como uma pausa para respirar antes de lançar aquela ideia contrastante: “Eu queria ir ao parque, mas começou a chover.” É como um suspiro antes de uma mudança de planos. Falando em “mas”, uma curiosidade da minha infância e de muitos da minha geração é que, aprendemos a colocar vírgula logo após o “mas”. “Quero ir ao banheiro, mas, está fechado.” Essa regra, que muitos de nós seguimos religiosamente, não é gramaticalmente correta. A vírgula depois do “mas” não é necessária e, na verdade, interrompe o fluxo natural da frase. A vírgula deve aparecer antes do “mas”, para separar as ideias contrastantes, não após ele. Essa é uma daquelas regras que aprendemos a desaprender ao longo da vida. E o “e”? Ah, o “e” é um caso à parte. Não coloque vírgula antes do “e” quando ele estiver ligando dois elementos de uma mesma ideia: “Comprei pão e leite.” No entanto, se o “e” estiver ligando duas orações independentes, a vírgula pode aparecer: “Ele saiu cedo, e ela ficou dormindo”. Pode suspirar e falar que já confundiu tudo. Eu entendo! A vírgula é famosa por suas regras, mas também pelas exceções. Afinal, o que seria da gramática sem suas regrinhas para nos confundir? Uma regra útil é usar a vírgula para separar elementos de uma lista: “Comprei maçãs, bananas, peras e laranjas.” Veja como a vírgula organiza o caos das frutas na sacola. Mas cuidado! Não vá colocando vírgulas a esmo, achando que está organizando a festa. Ela também pode criar confusões hilárias. Considere a diferença entre: “Vamos comer, crianças!” e “Vamos comer crianças!” Veja como uma pequena vírgula pode transformar um convite inocente em um caso de canibalismo! No dia a dia, a vírgula se esconde em cada texto que lemos e escrevemos, pronta para nos pregar uma peça. Quantas vezes você já revisou um texto, movendo a vírgula para lá e para cá, como se estivesse jogando um jogo de tabuleiro? “Aqui? Não, talvez ali. E se…?” Até que você desiste e envia o texto com uma oração silenciosa. Sejamos francos, a vírgula é temperamental. Com um pouco de prática e paciência, ela pode se tornar sua aliada fiel. E quando você finalmente a domina, a sensação é quase como ganhar uma batalha. Então, da próxima vez que você se deparar com uma vírgula, respire fundo, ajuste seus óculos imaginários e mostre a ela quem manda! No final das contas, a vírgula é só mais uma parte da nossa rica língua portuguesa, com suas peculiaridades e desafios. Ria dos erros, aprenda com eles e, acima de tudo, divirta-se. Porque, afinal, a vida é muito curta para levar a vírgula tão a sério!
Lágrimas também curam
Estamos em novembro de 2024. Marcella faleceu em junho de 2022, e não consigo dizer o momento exato, nestes quase 30 meses, em que entendi que apenas eu poderia me curar daquela dor imensa. Era eu quem precisava encontrar um conforto razoável que me permitisse seguir em frente. Não sei se você que me lê agora já teve a experiência de perder alguém muito especial, mas com certeza, se você é uma mãe que perdeu um filho, irá se identificar. E não, este texto não é só para mães enlutadas. É para todas as pessoas que perderam alguém e também para aquelas que não perderam, mas têm interesse em saber como é vivenciar o luto. Também não sei dizer se passei pelos estágios na ordem certa ou mesmo se já passei por todos eles. O certo é que dói, dói demais. No meu caso, houve e ainda há uma dinâmica que venho tentando acompanhar. No início, o sentimento era de tristeza, muita tristeza. Eu não consegui, e nem tentei, impedir. Eu estava realmente triste. Sem exagero, eu sentia dor física ao respirar e, às vezes, achava que não ia conseguir. Nesse período, que durou alguns meses, eu chorava e depois chorava novamente. Recebi muito apoio. Família, amigos próximos, colegas de trabalho, todos deram, cada um a seu modo, sua contribuição para que eu me restabelecesse. Isso foi muito importante. Até então, eu nunca tinha me dado conta da verdadeira importância de um abraço, de uma palavra de afeto, de chorar junto… O tempo foi passando e a vida das pessoas voltando ao normal. E eu pensava: Como assim? As pessoas vão esquecer? Eu vou ter que aceitar? Perceber que a vida dos outros e também a minha continuavam existindo foi quase cruel. Aí chegou o tempo em que as pessoas não entendiam mais por que eu continuava sofrendo. Volto a dizer que tive muito apoio e nunca me faltou colo nesse processo. A questão é que a vida segue mesmo e, para quem não está sentindo aquela dor, é difícil e complicado tentar ajudar. Chegou, então, a fase em que eu preferia ficar sozinha. Se tivesse vontade de chorar, eu chorava, mas sozinha, ninguém via. Eu escrevia para Marcella. Textos longos, textos curtos, uma única frase… e isso foi me ajudando a transformar aquela tristeza. Hoje, não posso dizer que não dói mais, porque não é verdade. E ainda choro. Não sozinha. Às vezes, me lembro dela, assim do nada, e sorrio, é alguma lembrança boa. Outras vezes, choro, mas não me preocupo em chorar escondida, até porque a lágrima vem com tudo e escorre, sem que eu me dê conta ou consiga controlar. A tristeza deu lugar à saudade, e essa nunca vai passar. Então, penso que é assim mesmo. O luto nunca acaba, mas a gente pode conviver de maneira pacífica com ele. Admiro muito a história de Chico Xavier, e há uma frase dele que hoje faz muito sentido para mim: “A saudade é uma dor que fere nos dois mundos”. É uma frase reconfortante, que me faz acreditar que esse amor imenso que tenho dentro de mim é correspondido em algum cantinho do universo pela minha eterna menina.
Antes da maturidade
Eu sempre fui muito falante. Timidez? Talvez um pouco na infância – escola nova, amigos novos, cidade também. Mas foi uma fase curta. Apesar de nada tímida, ao longo da vida, sempre carreguei uma preocupação imensa de ocupar um espaço que não me pertencia. E foi por isso que cometi o que considero a atitude mais imatura da minha carreira, quando transmiti insegurança numa hora muito errada. O ano era 1998, e eu trabalhava no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-MG). Após estagiar no Conselho, fui contratada como jornalista assim que me formei. Era muito querida e desempenhava bem meu trabalho. Não preciso ser modesta aqui. Como mencionei no post “Comunicar para Transformar”, já que não fui para uma revista, faria bem o trabalho na assessoria de imprensa. A jornalista responsável pela comunicação estava de férias quando o edifício Palace II, no Rio de Janeiro, teve um segundo desmoronamento. O prédio havia sido construído por um engenheiro de Minas Gerais, e, na semana anterior, um domingo de Carnaval, uma parte dele já havia desmoronado levando ao chão 44 apartamentos. Oito pessoas morreram soterradas e 176 moradores ficaram desabrigados. Da segunda vez, um bloco inteiro caiu 30 minutos após um laudo, feito por engenheiros mineiros, permitir a volta dos moradores que haviam evacuado após o primeiro incidente, para pegarem seus pertences. Pronto! O caos estava instalado no Crea Minas. O evento foi no Rio, mas o engenheiro responsável era mineiro, e deputado federal, à época. Como já citei, também eram mineiros os engenheiros que emitiram o laudo. Foi um Deus nos acuda! A imprensa do Brasil inteiro queria ouvir um representante do Crea. Os engenheiros foram convocados a prestar esclarecimentos, e eu, que trabalhava na assessoria, pautei a imprensa. Os dois engenheiros não ficaram nada felizes ao chegar e encontrar um cenário repleto de repórteres com câmeras, microfones e caderninhos. Passaram direto para a sala do presidente e me chamaram. Eu estava lá, junta e misturada com a imprensa, cumprindo meu papel de esclarecer os jornalistas. E esse é sim, papel do assessor. É preciso defender e cuidar da imagem a empresa, mas não dá pra cercear o trabalho da imprensa. Foi pra dar transparência que eu informei que a reunião aconteceria. Nada de errado nisso. Cheguei naquela sala cheia de homens, sendo que aqueles dois estavam muito bravos e talvez por isso, eu tenha caído em desgraça. Um deles me perguntou: Você é a assessora de imprensa do Crea? Não! (Olha a imaturidade. Era só falar sim, estou respondendo pela assessoria. Era a verdade) Então por que você convocou a imprensa? Porque é meu papel esclarecer os jornalistas sobre o que está acontecendo, já que o caso teve repercussão nacional. Mas você não é a assessora… Começou um bate-boca, do qual até hoje me arrependo, assim como me arrependo de não ter dito que sim, naquele momento, eu era a assessora. Por excesso de zelo, para não parecer que estava ocupando o espaço da colega, fui humilhada publicamente. Dali em diante, fiz o meu trabalho, mas confesso que fiquei muito apreensiva. A reunião demorou a começar e a acabar. Só depois os envolvidos atenderam a imprensa. Próximo das 2 da manhã, entrei no carro do Crea com o motorista e aqueles dois engenheiros, que, por enquanto, me odiavam. Imagine a cena: eu, exausta, compartilhando o carro com dois senhores que passaram o dia me fulminando com os olhos. Se houvesse um prêmio para a carona mais desconfortável do ano, eu certamente ganharia! Só depois de deixá-los fui para casa, com aquela vontade de voltar algumas horas no tempo e assumir uma postura diferente. Eu era recém-formada e foi um evento grande demais para eu segurar sozinha. Sim, fiquei insegura e sim, foi muito chato. E foi um aprendizado que trago comigo. A gente erra, mas precisa aprender com os erros. Pouco tempo depois desse episódio, eu assumi a assessoria de imprensa do Conselho e aqueles engenheiros não voltaram lá pra ficar sabendo disso. Mas eu considero que a atitude deles foi importante para eu me moldar como profissional. Eu não ocupo o espaço de ninguém e é público que tenho um espírito de liderança bem forte. Então, eu exerço essa liderança. Agora, com segurança e sem bate-boca (rs). Hoje, olhando para trás, vejo que aquele momento de insegurança foi um ponto de virada na minha carreira. Ele me ensinou que ocupar nosso espaço não é uma questão de arrogância, mas de responsabilidade. Cada desafio, cada erro, cada situação desconfortável nos molda e nos prepara para os próximos passos. A jornada profissional é feita de altos e baixos, de momentos de glória e de tropeços. O importante é manter a resiliência e a disposição para aprender. Aquela jovem jornalista insegura de 1998 se transformou em uma profissional confiante e capaz de liderar com empatia e firmeza. Se pudesse voltar no tempo e dar um conselho àquela versão mais jovem de mim mesma, diria: “Confie em si mesma. Você está exatamente onde deveria estar, fazendo exatamente o que deveria fazer. Seu lugar é aqui, agora.” A todos que estão começando suas carreiras ou enfrentando momentos de dúvida, lembrem-se: os erros não definem você, mas a maneira como você reage a eles, sim. Abracem os desafios, aprendam com as dificuldades e, acima de tudo, ocupem seu espaço com confiança e integridade. Afinal, é assim que nos tornamos não apenas profissionais melhores, mas seres humanos mais completos. O tempo não volta, mas nos presenteia com a sabedoria para fazer melhor da próxima vez. E é essa sabedoria que nos impulsiona adiante, nos tornando líderes capazes de inspirar e transformar não apenas nossas próprias vidas, mas também as daqueles ao nosso redor.
Casa de vó
Sempre tive um carinho imenso pelas minhas avós. Nasci em Virgem da Lapa, cidade da minha avó materna, onde vivi com minha família até os seis anos de idade. Depois, nos mudamos para Minas Novas, uma cidade próxima de onde as duas avós moravam. Meu pai, transferido no trabalho, escolheu um lugar que não nos afastasse tanto das nossas raízes familiares. Assim, ficamos no caminho entre as duas avós. Honro muito as duas. Neste post, vou falar da minha vó materna, vó Isabel, e de tudo o que a casa dela representou e ainda representa pra mim. Vó era gordinha. Na verdade, hoje eu não vejo assim. Ela era barriguda e isso fazia ela parecer gorda. Não! Eu não sou gordofóbica, é que essa condição identifica demais a minha vó. Hoje pode ser visto como muito preconceituoso, mas todos na cidade a conheciam por Isabel Gorda. Em Minas Gerais temos o hábito de conhecer as pessoas ao saber quem são seus pais. É a famosa frase dita em bom mineirês: Cé é fi de quem?, que tanto representa os mineiros. Então, com a gente era assim: Você é filha de quem? De dona Nelina. Nelina de Isabel Gorda? Sim. Sem qualquer constrangimento, sempre respondi a essa pergunta com orgulho de minha avó, uma senhora muito, muito vaidosa. E também muito corajosa, alegre, independente e forte, que usava roupas bonitas, em cores vivas e não ficava sem batom. A casa de vó Isabel é uma das doces lembranças da minha infância. Lembro pouco de quando morávamos na mesma cidade. Sei que era só atravessar a rua e chegava e que eu e meus irmãos íamos lá todos os dias. Após nossa mudança, a casa de vó tornou-se o destino das férias, em julho e dezembro. Devo ir logo dizendo que não era uma casa só nossa. Era de muita gente. Vó tinha uma pensão em casa. A Pensão Globo. Logo na entrada tinha um corredor com os quartos destinados aos hóspedes e acabava aí a privacidade. O banheiro era único, a sala de TV e de jantar também. A gente dormia na parte que ficava depois da sala, onde tinham alguns quartos da família, outros de hóspedes, a cozinha, a sala de jantar e descendo a escada que vai para o quintal, o banheiro. Com exceção do sono, todas as outras atividades eram feitas junto aos hóspedes. Lembro de assistir à Copa do Mundo de 1982 naquela sala, rodeada por eles, todos homens. Tinha gente de todo lugar, com as mais diversas histórias pra contar. Eu adorava conversar com os hóspedes e talvez venha dessa fase a minha paixão por também contar histórias. A gente interagia tanto com aquelas pessoas que parecia que eram da família. Eu e meus irmãos até pegávamos carona com um deles, que era representante comercial e ia sempre a Minas Novas. Era carona de ida e, às vezes, de volta para a casa de vó. A casa tinha cheiro e gosto de infância. E a comida? Não existia nenhuma mais gostosa. A gente adorava. Como era pensão, a diversidade era vasta: carne de boi, porco e frango num mesmo prato, um banquete para qualquer criança. Das peças de decoração, lembro da radiola que enfeitava a sala. Foi ali que ouvi pela primeira vez a música “Geni e o Zepelin”, de Chico Buarque. Um tanto inapropriada para uma criança e para uma casa de vó. Creio ser coisa dos meus tios mais novos, que não têm grande diferença de idade para os sobrinhos. Os sábados eram incríveis. Ainda hoje no interior de Minas tem a feira de mercado – que merece um post próprio – aos sábados. Tem frutas, verduras, legumes, carne, requeijão, queijos, pimentas, uma variedade de coisas. Vó se arrumava toda pra ir à feira. E se eu estivesse lá, passando férias, era companhia frequente naquele que pra ela era um evento. Vó comprava uma carga inteira, destes cestos que ficam presos no cavalo, de laranja, outra de abacaxi e na época certa, de manga. O vendedor a acompanhava até em casa e despejava a carga todinha no corredor, enchendo a casa de alegria e frutas rolando pelo chão. Tudo naquela casa era resolvido por ela. Meu avó José era um marido que havia entendido há muito tempo a mulher que tinha. Ele não estava nem aí para o fato de ela ser a grande figura da casa. Quando chegava um hóspede de madrugada, era ela quem atendia a porta. Não tinha medo e impunha muito respeito junto àqueles homens que entravam e saíam da casa dela. Vô a amava do jeitinho que ela era. Eles eram um casal admirável. Tenho uma lembrança da rotina dos dois, que é muito presente. Vô depilava as axilas da minha avó com a navalha com a qual ele se barbeava. Eu achava estranho e bonito. Ela levantava os braços, próximo à janela, por causa da luz e ele, cuidadosamente, fazia o serviço. Faz um tempo que eles morreram. Primeiro meu avô e alguns anos depois vó Isabel foi se juntar a ele. A casa com portas em madeira, pintada em tinta óleo cinza, cheia de quartos e cheirando comida gostosa, não existe mais em sua forma física. Mas está muito viva nas nossas memórias. Era uma pensão que nunca deixou de ser a casa de vó.
Colecionando Instantes – A Beleza dos Pequenos Momentos
Na correria do cotidiano, muitas vezes deixamos passar despercebidos os pequenos momentos que realmente trazem significado para nossas vidas. Hoje, convido você a pausar por um instante e refletir sobre a beleza dos momentos simples, aqueles que, quando colecionados, formam a essência de quem somos. Ah, mas antes de tudo, preciso contar a história por trás do nome do blog. Na virada do século, ganhei de uma grande amiga um livro de crônicas do Zuenir Ventura, escritor e jornalista de quem sou fã. No livro, Zuenir reuniu várias de suas crônicas, publicadas no Jornal do Brasil, em O Globo e na revista Época, entre 1995 e 1999, e deu à obra o nome de Crônicas de um Fim de Século. Na orelha do livro, ali na primeira linha, estava a frase: “O cronista é um colecionador de instantes”. Eu devorei o livro e nunca esqueci aquela frase. O que é colecionar instantes? É guardar numa caixinha momentos que nos marcam. Às vezes momentos bons, às vezes nem tanto, mas são momentos significativos. Alguns pequenos, como aquela música que você ama e toca quando você precisa ouvir, ou aquela pessoa que te chamou a atenção enquanto atravessava a rua e você aguardava no sinal de trânsito, dentro do carro. O que eu sei é que coleciono instantes desde antes de ler o livro, e na hora de escolher um nome para o blog, não tive nenhuma dúvida. Aquela frase me marcou há mais de 20 anos, por alguma razão. Deve ser porque eu peguei gosto por transformar meus instantes em histórias e decidi, um dia, publicá-las aqui. Voltando aos instantes e para não deixar de registrar um: lembro de uma manhã tranquila, quando eu passava férias em uma praia. O sol tímido se infiltrava pelas frestas da janela. Enquanto eu tomava um café, meus olhos pousaram na cena de uma criança que, do outro lado da rua, entregava uma flor amassada e sem vida para sua mãe. A expressão de pura felicidade e amor daqueles dois irradiava uma simplicidade comovente que me fez parar. Naquele instante, compreendi a verdadeira beleza dos momentos efêmeros, aqueles que nos lembram que a vida é feita de pequenos gestos e sentimentos profundos. Como jornalista, aprendi a valorizar cada detalhe, cada história que se desenrola no silêncio do cotidiano. Aquele silêncio que sempre comunica alguma coisa. Este blog é um espaço dedicado a capturar e compartilhar esses momentos. Aqui, cada artigo será uma tentativa de eternizar a essência de uma memória, uma reflexão ou um sentimento. A escrita sempre foi minha paixão, e através dela, busco conectar-me com você, leitor, que também coleciona seus próprios instantes. Envie seu comentário
Luto de mãe
Perder alguém que amamos profundamente transforma nossa vida de muitas maneiras. Eu perdi uma filha e, longe de mim achar que a minha dor é maior do que a dos outros, mas vamos combinar que a dor de perder um filho é insuportável. Posso te falar a verdade? Eu senti dor física de tanta saudade. Os primeiros meses foram muito, muito difíceis. Marcella tinha paralisia cerebral e viveu 34 anos. Era linda! Cabelos lisos e pretos, sempre magrinha, olhos atentos, mesmo que não estivessem vendo. Ela não andou, não falou, não enxergou… Viveu em completa dependência, tinha muitas limitações e sorria. Isso mesmo! A minha Marcella não reclamava, ela gostava mais de sorrir. De tudo, o que sinto mais saudade é daquele sorrisão. Outro dia, vi ou ouvi em algum lugar uma pessoa falar sobre a dor de uma mãe enlutada. Eu concordei com a pessoa. É curioso como o luto tem nomes específicos para certas relações: filhos que perdem pais são órfãos, maridos que perdem esposas são viúvos. Mas e nós, mães que perdemos filhos? Talvez não haja uma palavra que capture plenamente essa experiência, pois é uma ausência que desafia a linguagem e o entendimento. Sei que Marcella não é uma ausência constante. Ela é uma presença constante na minha vida. Eu tenho aprendido a lidar com a perda, e pra isso, lembro dela sempre. Eu tenho tem tanta história pra contar sobre os 34 anos que ela viveu. Divido a minha vida assim: até os 19 anos, sem a Marcella, daí até os 53 com ela e depois, sem. É ter que viver sem, depois de ter passado pela maravilhosa experiência de ter sido mãe de um anjo. Então, ela está sempre por aqui e eu gosto de acreditar nisso. Tem uma curiosidade: Marcella nasceu no mesmo dia em que eu. E na mesma hora. Pois é! Nascemos, as duas, aos 45 minutos do dia 28 de março, com 19 anos de diferença. Eu sempre achei essa coincidência bonita e isso foi algo que nos conectou a vida toda. Eu tive muita dificuldade em arrumar o quarto, em acreditar que ela não estava na cama, no sofá, na cadeira de rodas… Algumas vezes, me peguei com a porta da geladeira aberta, selecionando os legumes para a sopa dela. Por um breve instante, parecia que ela estava ali. Eu ainda choro com certa frequência, mas sinto que a dor está dando lugar a uma saudade leve, reconfortante. Agora é comum eu me pegar lembrando de algum momento com ela e rir de maneira espontânea e verdadeira. A gente teve muitos momentos bons, muitos. A correria por consultórios de médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais rende muitos outros artigos para serem postados aqui. Por ora, fico com a lembrança doce de um anjo que passou pela minha vida e sorriu pra mim. Envie seu comentário