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Entre sorrisos e desafios

Esta história começa em 1987, quando eu tinha 18 anos de idade e um sonho: ser jornalista profissional. Eu havia acabado de concluir o ensino médio em Diamantina, no interior de Minas Gerais, uma cidade à época, mais desenvolvida do que a minha Minas Novas, na área de educação.

Como saí da casa dos meus pais muito jovem, tinha um plano para antes de entrar na universidade: ficar em casa por um semestre, até julho daquele ano, curtindo minha família, que era e ainda é preciosa demais para mim. Já estava tudo certo: um semestre inteiro de despedida de casa e, em agosto, eu iria para Belo Horizonte. Eu já me imaginava fazendo amigos e percor­rendo os corredores de alguma universidade, a primeira em que fosse aprovada. Mas a vida não é tão simples, e a gente nem sempre vive exatamente como sonha.

Em junho, pouco antes da mudança para Belo Horizonte, descobri que estava grávida. A notícia foi uma bomba para mim. Eu juro! Achei que meu pai fosse morrer de desgosto. Sou a única mulher entre os cinco filhos dos meus pais. Dá para imaginar que as expectativas da família sobre mim não incluíam que eu engravidasse aos 18 anos.

No desespero, escondi a gravidez, mas, assim que descobri­ram, todos na minha família me deram muito apoio. Ao contrário do que eu imaginei, ninguém morreu de desgosto. Meu pai, aliás, está bem vivo, prestes a completar 94 anos de idade. Então, todos ficaram tristes, é claro! Mas nada além disso.

Marcella nasceu aos quarenta e cinco minutos do dia 28 de março de 1988, exatamente no mesmo dia e hora em que eu nasci, com 19 anos de diferença. Coincidência? Não bastou ser no mesmo dia, foi também na mesma hora.

Ela chorou muito ao nascer, e os médicos desconfiaram que algo estava errado. Fui para Belo Horizonte, não para estudar, mas para que ela fizesse exames que pudessem dar um diagnóstico preciso. Os médicos tinham razão. Havia algo errado: minha menina tinha paralisia cerebral severa. Uma tal de tetraparesia espástica, difícil de explicar.

Nesse momento, eu perdi o chão. Ainda estava aprendendo a ser uma boa filha quando me tornei mãe de uma criança que precisaria de cuidados especiais por toda a vida. Começou então, ainda em abril, uma sequência de viagens, exames e entradas e saídas de consultórios médicos.

Começando o tratamento

Era consenso que seriam necessários tratamentos de fisioterapia, fonoaudio­logia e terapia ocupacional por toda a vida da minha filha. Foi aí que decidi lutar e nunca desistir dela, nem de mim. Eu decidi honrar minha história e a dela.

Marcella iniciou o tratamento com menos de um mês de vida. Nesse período íamos, eu e ela, todos os meses para Belo Horizonte. Quando ela completou três anos, falei com meus pais sobre meu sonho de estudar. Ali, bem dentro de mim, o desejo de ser jornalista ainda estava guardado.

A essa altura você já entendeu que minha família é demais e desconfia que meus pais se ofereceram para cuidar da neta pelo tempo necessário. Aquela pessoinha já fazia parte dos meus dias, e eu sabia que sentiria muito a falta dela, mas encarei o desafio. Cheguei a Belo Horizonte e estudei muito para passar rapidamente no vestibular. Passei na PUC Minas depois de quatro meses de cursinho. Meu sonho estava acontecendo. Eu sentia saudades da Marcella e a visitava com frequência.

Depois de me adaptar à faculdade e conseguir um emprego como vendedora em um shopping center, voltei à casa dos meus pais para buscar minha filha. Desde então, ela passou a morar comigo e fazer seu tratamento em Belo Horizonte, com o método de reabilitação mais avançado que existia.

Eu estudava e trabalhava. Conseguia pagar pelos tratamentos e pela faculdade. Não foi fácil, e o meu maior apoio, além da minha família, veio da própria Marcella. Ela tinha muitas limitações: não andava, não falava, não enxergava. Mas ela sorria. Muito! E isso me dava força.

Eu me formei em Jornalismo, fiz pós-graduação em Marke­ting, trabalhei em inúmeras empresas, de diversas áreas, contribuindo nos pro­cessos de comunicação e gosto demais da minha área de atuação. Valeu muito a pena ter tido coragem de enfrentar os desafios e fazer a sonhada faculdade, mesmo depois de ter me tornado mãe.

Marcella sempre foi meu guia. Quando eu tinha dúvidas sobre algo, conversava com ela, que não respondia com palavras, mas com um sorriso. E isso, para mim, era um sim.

A vida foi se ajeitando. Mais tarde, eu me casei. Logo tive outra filha, a Ana, e formamos uma família muito unida, com todos os problemas que uma família tem, mas com muito amor envolvido. Meu marido, Fernando, sempre tratou a Marcella como filha.

Carreira

Passadas mais de três décadas e depois de realizar muitos sonhos profissionais, avalio que ter sido mãe tão jovem moldou a minha visão de mundo. Trabalhei para conciliar a car­reira com a maternidade e deu muito certo.

Em 30 anos de carreira, passei por inúmeras empresas e, em nenhuma delas, fiz entrevista de emprego ou qualquer tipo de teste. Sempre fui referenciada por pessoas que gostavam do meu trabalho. Soa arrogante, não é mesmo? Mas não é nada disso. É muito tempo de estrada e tenho erros e acertos, mas é bom ser lembrada mais pelos acertos, em minha opinião. Aprendi a me posicionar quando me vi convivendo com médicos renomados e experientes. Eu precisava entender tudo para cuidar da Marcella, e, quando me formei, já não era mais aquela menina que se tornou mãe. Eu tinha uma postura profissional e construí uma carreira pautada no compromisso com as pessoas.

Quando ela se foi

Minha Marcella foi morar no céu em junho de 2022, aos 34 anos. Ela morreu em paz, como viveu. Sofri tanto que não consigo descrever. A dor está dando lugar à saudade. Lembro dela todos os dias. Todos! E sou imensamente grata pela oportunidade de ser mãe de um anjo, de fazer a jornada ao lado dela.

Eu continuo atuando com assessoria de comunicação e faço um pouco de tudo. Agora, resolvi criar este blog pra contar histórias, desenvolver uma habilidade que tenho e registrar minhas memórias.

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José Luiz Braga Coelho
José Luiz Braga Coelho
1 mês atrás

Nossa!!!… Como não pensei nisso!!
Você Claudinha, tem cacife para ser uma baita blogueira, uma baita influencer, pela baita comunicadora que sempre foi e é!!!…
Abraços minha amiga!

José Luiz Braga Coelho
José Luiz Braga Coelho
1 mês atrás

Boa Claudinha!!!.. Você é uma baita comunicadora e será uma baita influencer, no melhor sentido que essa palavra possa ter, para os leitores e seguidores que virão!!!…
Abraços

Margareth Mota
Margareth Mota
1 mês atrás

Uauuuu!!!! Como uma pessoa pode ser tão boa no que faz…não consigo parar de ler. Só continue. PARABÉNS!

Dalton Silveira Magalhães
Dalton Silveira Magalhães
1 mês atrás

Oi Cláudia! A gente se conhece muito pouco pessoalmente, mas sempre nutri uma enorme admiração por você, pela sua história e da sua filha, que eu imaginava que fosse muito bonita…. mesmo com um olhar à distância…
Mas, esse seu depoimento, feito assim, de uma maneira tão segura e verdadeira…desprendida…. desnuda de quaisquer preconceitos e estereótipos da sociedade, me fez ver melhor a Pessoa, o Ser Humano, a Mãe que você desde muito cedo, ousou Ser!!!…
Fiquei deveras Emocionado!!! …. mesmo porque, passou um filme na minha cabeça, já que tive o privilégio de conviver com a minha esposa Vania Beatriz, que me “ensinou” adentrar e mais do que isso, entender e Amar esse universo de Pessoas tão Especiais!!! …como Marcela!!!
Abraçaço!!!

Maria Helena Gabriel de Souza Pankowski
Maria Helena Gabriel de Souza Pankowski
1 mês atrás

Me emocionei varias vezes lendo essa linda história, quanta superação!Tenho muito orgulho de você!Hoje o céu tem uma estrela que brilha forte por nós.Abraço bem apertado.