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Não era uma bolinha de gordura

No final de 2019, recebi a notícia que ninguém quer ouvir: um diagnóstico de câncer de mama. Foi um momento devastador. O estigma que cerca o câncer, apesar dos avanços nos tratamentos, ainda carrega um peso imenso, trazendo consigo um medo que não sei explicar.

Um ano antes, notei uma pequena e dura bolinha no meu tórax. Pensei que fosse apenas uma bolinha de gordura, algo inofensivo, e não dei importância. Meses depois, numa ida à praia, percebi que, após tomar sol, a bolinha estava mais evidente. Ainda assim, minha mente insistia que não era nada sério.

Foi apenas durante uma consulta da minha filha Ana com a dermatologista que mencionei casualmente:

– Doutora, tira essa bolinha de gordura pra mim.

Ela sugeriu:

– Faz uma ultrassonografia primeiro, pra gente tirar com segurança.

Vou dar o detalhe pra fazer um alerta. Depois disso, eu não fiz o exame imediatamente. Devo ter ficado com o pedido guardado por mais uns três meses. Quando finalmente realizei o ultrassom, sem qualquer preocupação, fui pega de surpresa pelo médico, que me disse uma frase que não esqueço até hoje:

– A senhora precisa mostrar esse exame ao seu médico e provavelmente vai precisar de cirurgia.

Foi necessário tudo isso acontecer pra eu começar a entender que aquilo poderia ser um câncer. Abri o exame e li a sigla BI-RADIS. É uma espécie de classificação, que padroniza laudos de imagem das mamas, da qual eu nunca tinha ouvido falar. Minha mamografia estava em dia, a saúde também. Não era possível. Minha bolinha, que não era de gordura, foi classificada com grau 4, que caracteriza achados suspeitos.

Procurei uma mastologista, fiz uma biópsia e o resultado foi: carcinoma invasivo de grau I. Acessei o resultado online, no quarto da Marcella, tentando fingir que não era real, mas assim que deu a hora, entrei no site do laboratório. Lembro exatamente daquele dia e horário. Era uma quinta-feira de outubro. Eu trabalhava como assessora de comunicação em um consórcio de saúde e estava justamente fazendo uma campanha de conscientização sobre a doença.

Chorei muito ao ler o diagnóstico. Naquele instante, comecei a planejar a vida da minha família durante o tratamento, sem saber ao certo o que viria.

A espera pelos resultados e pelo início do tratamento é angustiante. Entre os medos, o primeiro foi perder meu cabelo. Pode parecer trivial diante de algo tão grave, mas o câncer mexe profundamente com a autoestima. Decidi que, se necessário, usaria uma peruca que imitasse meu corte e cor de cabelo. Admiro e respeito as pessoas que têm câncer e mostram a cabeça ou usam lenços, mas eu realmente gostaria de não mudar minha aparência. Conheci muitas mulheres que passaram pelo mesmo, e percebi que a perda do cabelo é um dos primeiros impactos emocionais.

Também tive medo de que o câncer aparecesse na outra mama. Comecei a apalpar as mamas com muita frequência, sempre imaginando que acharia alguma coisa. Um dia achei. Meu tumor era na mama direita. Apalpando a mama esquerda, percebi um carocinho e me desorientei. Fiz outra mamografia. Era um cisto. O curioso é que essa mamografia, feita depois que eu já estava diagnosticada, não mostrou o meu tumor, assim como as anteriores. A localização, apesar de fácil identificação da minha parte, porque era aparente, para o exame, era de difícil acesso.   

A ficha caiu e a preocupação com o cabelo diminuiu. Pensei na mortalidade e nos meses que poderiam seguir – seriam lentos ou rápidos? Tenho muita fé, e logo me senti mais tranquila.

Aprendi muito sobre o câncer. Uma coisa que a gente tem que fazer depois de diagnosticado é um exame chamado Imuno-histoquímica, que explicando de forma bem simples, identifica o tipo de tumor, define o tamanho da malignidade e direciona para o tratamento adequado. Era o resultado dele que eu estava esperando enquanto pensava besteiras. Descobri que felizmente o meu tumor era o HER2, uma espécie menos grave, com maior chance de cura.

Não precisei fazer quimioterapia, então não perdi os cabelos. Primeiro, eu deveria fazer a cirurgia de retirada do tumor. Não retirei a mama, só o tecido da região do tumor. Uma cirurgia bem sucedida, simples e rápida. Duas semanas depois no retorno à mastologista, veio a biópsia de tecidos retirados da cirurgia. Um deles mostrou que ficou margem, quer dizer, ficou um restinho. Voltei para o bloco cirúrgico menos de 30 dias depois da primeira cirurgia. Tudo certo com a biópsia dessa vez.

As lições foram muitas: saí mais forte, resiliente e grata. Na sala de espera da radioterapia, vi pessoas enfrentando desafios maiores que os meus. Uma senhora de 83 anos, com câncer, diabetes e insuficiência renal, me inspirou com sua aceitação e coragem. Havia ali naquela sala uma atmosfera de solidariedade e respeito pela história de cada um.

Uma jovem mãe, acompanhava um senhor nas sessões de radioterapia e levava o filho. O garoto era muito falante e às vezes ele me incomodava, porque é um ambiente que precisa de silêncio. Durante todo o meu tratamento ela esteve lá todos os dias acompanhando o senhor, que eu havia entendido ser seu pai. Eu a julguei algumas vezes. Não entendia porque ela levava o filho para aquele ambiente.

No dia da minha última sessão, ela puxou conversa comigo e eu descobri que o senhor era um vizinho e ela se ofereceu para acompanhá-lo no tratamento porque ele vivia só, não tinha parentes. Aprendi a não julgar. A generosidade dela, levando o próprio filho por não ter com quem deixá-lo, me fez perceber o quanto as pessoas podem ser boas.

Meu tratamento envolveu duas cirurgias, vinte sessões de radioterapia e medicação até este mês de dezembro. Cinco anos depois, estou curada, graças a Deus!

Essa experiência me ensinou a importância do autocuidado e da atenção aos sinais do corpo. Não ignorem isso. Se posso deixar uma mensagem, é esta: cuidem-se e não hesitem em buscar ajuda médica quando algo parecer fora do comum. Fui feliz porque, mesmo tendo negligenciado meu tumor, ele era de crescimento lento e pouco agressivo. Se fosse diferente, o tempo que esperei poderia ter tornado tudo muito mais dramático. Não esperem para valorizar a saúde; ela é o bem mais precioso que temos. Hoje entendo isso perfeitamente.

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