Tenho acompanhado há anos as transformações que a internet trouxe para a nossa Língua Portuguesa. Algumas são práticas, outras divertidas, mas de vez em quando surge algo que me deixa genuinamente perplexa. Foi o que aconteceu neste fim de semana enquanto eu navegava pelo Instagram.
Lá estava eu, rolando a timeline, quando me deparei com uma frase que dizia: “Isso aconteceu àh mais de quatro anos”.
Sim, você leu corretamente. Àh. Com crase.
Precisei ler duas vezes para acreditar. Não era um simples “ah” (interjeição de surpresa), nem o correto “há” (verbo haver, indicando tempo passado). Era uma criação completamente nova: uma interjeição com crase!
Confesso que ri. Ri muito. Há erros de português que nos irritam, outros que passam despercebidos, mas alguns são tão criativos que chegam a merecer aplausos pela originalidade. Este, sem dúvida, ganhou o troféu de “erro mais criativo” que vi em muito tempo.
A linguagem da internet tem suas próprias regras. Abreviamos para digitar mais rápido, criamos códigos que só os iniciados entendem, e isso é parte da evolução natural da comunicação. Afinal, a língua é viva e se adapta aos tempos.
O “vc” no lugar de “você” economiza caracteres e tempo. O “pq” substitui perfeitamente o “porque” quando estamos com pressa. Até o “eh” usado para substituir o verbo “é” já virou um clássico das conversas on-line. São simplificações que, embora não sigam a norma culta, cumprem seu papel comunicativo.
Mas o “àh”? Isso é ir longe demais!
Há ou a? Um dilema comum (mas sem crase, por favor!)
A confusão entre “há” e “a” para indicar tempo é uma das dúvidas mais frequentes do português.
Há = verbo haver, indica tempo passado
Exemplo: “Isso aconteceu há mais de quatro anos.”
A = preposição, indica tempo futuro
Exemplo: “Estarei lá daqui a quatro anos.”
A regra é simples: se puder substituir por “faz” (tempo passado), use “há”. Se estiver falando de tempo futuro, use “a”.
Mas acrescentar uma crase e transformar isso em “àh” é como criar um portal para uma dimensão paralela da gramática onde nada mais faz sentido!
A criatividade tem limites (ou deveria ter)
Não sou purista da língua. Acredito que o português, como qualquer idioma vivo, está em constante evolução. As gírias de hoje podem ser o vocabulário formal de amanhã. A informalidade das redes sociais tem seu lugar e seu valor.
No entanto, algumas inovações não são evoluções, são apenas… confusão. Quando vejo um “àh” com crase, não estou testemunhando a evolução da língua, estou vendo alguém que talvez precise revisitar algumas aulas básicas de português.
E o mais interessante é que adicionar a crase exige um esforço extra! É preciso configurar o teclado, apertar combinações de teclas ou procurar o caractere nos símbolos. Dá mais trabalho escrever errado do que acertar!
O internetês que podemos tolerar
Para não parecer a professora de português rabugenta que todos temiam na escola, vamos concordar que algumas licenças poéticas do mundo digital são aceitáveis:
Os já mencionados “vc”, “pq” e “blz” – abreviaturas que poupam tempo
O “q” no lugar de “que” – embora eu particularmente evite
Os emojis que substituem palavras inteiras – afinal, uma imagem vale mais que mil palavras
O “kkkk”, “hahaha” ou “rsrs” para indicar risadas – cada um ri como quer no texto
Esses exemplos não comprometem o entendimento. São códigos que criamos coletivamente e que funcionam no contexto adequado.
Um apelo bem-humorado
Então, queridos leitores e navegantes da internet, vamos combinar: abreviem, simplifiquem, criem emojis novos, mas, por favor, deixem a crase em paz! Ela já é incompreendida o suficiente em seu uso correto. Não precisamos inventar usos inéditos para confundir ainda mais as coisas. Leia mais sobre a crase aqui.
Da próxima vez que você quiser dizer que algo aconteceu no passado, lembre-se: é só “há”, três caracteres simples, sem firulas, sem crase, sem drama.
E se você já encontrou erros ainda mais criativos que o “àh”, compartilhe nos comentários! Quem sabe não criamos uma galeria dos maiores “crimes” contra o português na internet?
Legal!