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Um romance gramatical

Li recentemente o livro Latim em Pó, do escritor paranaense Caetano Galindo. Em um texto leve e muito bom de ler, Galindo fala sobre a formação da nossa Língua Portuguesa e defende a escrita informal como identidade de um povo ou a manifestação de uma realidade. Aqui no blog, eu uso um texto informal e escrevo do jeito que falo. Por exemplo: “pra”, no lugar de “para”; “tô” no lugar de “estou”; “né”, no lugar de “não é”, e por aí vai.

No livro, Galindo explica que o português brasileiro surgiu do português europeu, que veio do latim, que surgiu do itálico, que por sua vez, surgiu do indo-europeu. E o latim, como muitos sabem, tem variações: latim arcaico, latim culto e latim vulgar, entre outros, mas paro por aqui pra não te cansar. Afinal, não queremos transformar este blog em uma aula de etimologia, né?

O latim que deu origem ao nosso português é o latim vulgar, ou popular, porque foi trazido para o Brasil pelas camadas mais pobres da sociedade portuguesa, que se aventuraram em terra nova e estranha. Pode-se dizer que aquele latim viajou do país colonizador para o colonizado, provavelmente em uma mala de mão que nem pagou excesso de bagagem!

Todas essas variações surgem de uma mesma língua-mãe, que ao longo dos tempos vai se ligando a outras línguas e daí surgem expressões e palavras que até então não existiam. O fato é que com tantas variações fica fácil explicar os desvios da nossa língua. E tudo bem que eu uso esse gostinho de latim em pó aqui, mas adianto que a norma culta deve ser respeitada na escrita formal. Afinal, não queremos que algum professor venha nos assombrar. Além disso, ministro curso de comunicação e falo da importância de seguir o padrão culto, especialmente no ambiente corporativo.

Dito tudo isso, confesso que desde que li a sinopse do livro, veio à minha cabeça uma passagem engraçadíssima, que envolve o meu marido, o Fernando (este artigo antes de nome próprio também é um desvio, mas a gente usa e tá tudo bem).

Agora vou narrar o tal fato.

A gente ainda estava namorando e iniciamos uma discussão bastante acalorada, que agora eu não me lembro o motivo. Antes de escrever este texto, perguntei pra ele, que também não se lembra. Acho que é um daqueles mistérios da humanidade, tipo o Triângulo das Bermudas.

Eu tinha uma mania, horrorosa, eu sei, de corrigir qualquer pessoa que pronunciasse uma palavra errada perto de mim. É que me doía por dentro ouvir. Em razão disso, a gente protagonizou uma cena muito nossa. No calor da discussão, o Fernando soltou um “EU TAVO”.

Até que sou boa de briga, mas parei tudo e disse a ele:

– Não é “tavo”.

A expressão dele foi de pura surpresa, como se tivesse sido pego desprevenido no meio de um furacão verbal. Sem saber como responder, ele rebateu com a primeira coisa que lhe veio à mente:

– Tá bom, “EU ESTAVO”.

E foi aí que a briga perdeu toda a importância. A tensão se desfez em risos incontroláveis, transformando aquele momento em uma das nossas memórias mais queridas. Minha mania de corrigir as pessoas, que felizmente eu não tenho mais, deu origem ao nosso meme de casal.

Isso já faz quase 30 anos, mas até hoje, quando alguém fala a palavra “estava” perto dele, ele “corrige” na hora. É ESTAVO!

Nenhum de nós lembra porque iniciamos aquela discussão, mas nunca esquecemos como ela acabou. E agora, um livro recém-lançado me faz repensar. Será que o latim em pó ou a diversidade da nossa língua um dia vai permitir isso? Ou será que “estavo” vai ficar apenas nos meus contos familiares?

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