Desde sempre eu e meus irmãos o chamamos de Paim. Assim mesmo, com “m” no final. E não “Painho”. Não sei por quê, mas é assim o nosso jeito. Meu pai completa 94 anos neste mês, e isso é motivo mais do que suficiente para eu escrever sobre ele, algo que tô querendo fazer desde que criei o blog.
Paim é uma pessoa simples, que criou bem os filhos e basicamente viveu para a família. O seu pai morreu quando ele ainda era um bebê, e às vezes penso que essa ausência pesou tanto que ele escolheu ser pai quase em tempo integral. Juntos, ele e minha mãe fizeram da nossa casa um verdadeiro lar, para onde a gente sempre quer voltar. Somos cinco filhos, todos já passamos dos 50 anos, e até hoje dizemos “lá em casa” para nos referirmos à casa deles.
Sou muito feliz na minha casa, com a família que construí, mas a casa dos meus pais continua sendo a minha também, um lugar onde me sinto bem e sou acolhida com amor. Então, tenho a felicidade de dizer que tenho duas casas. Até os dias de hoje, os amigos são bem recebidos por lá, mesmo que a gente não esteja por perto. E chegar na “minha casa” significa ter que responder imediatamente a uma pegadinha que Paim faz com todo mundo que vai lá: quanto é 7, 7, 14 com 10? Usei vírgulas para facilitar para você. Por favor, deixe sua resposta nos comentários. Será que vai acertar?
Ele trabalhou por anos no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e, de tanto contar gente, pegou gosto por operações matemáticas. Era ele quem estudava conosco quando estávamos no ensino fundamental. É um contador de histórias, das suas histórias. Fala com alegria das muitas cidades que conheceu por causa dos recenseamentos nos quais trabalhou. Órfão muito cedo, foi criado com a ajuda do avô, João Machado. Até hoje meu pai fala do avô com um carinho tão grande que parece a criança que um dia foi. Eu e meus irmãos passávamos tanto tempo com ele que adquirimos o hábito de usar o mesmo tratamento que ele usava com as pessoas: compadre Zequinha, compadre Dé… A gente repetia como se os compadres fossem nossos.
Não sei por que razão tínhamos mais medo dele do que da minha mãe, apesar de ele ser manso até dizer chega. Graças a ele, eu nunca apanhei da minha mãe (rs). Todas as vezes que isso estava para acontecer, ele chegava bem na hora e impedia. Eu juro! Ele chegava no momento certo, feito um anjo da guarda. Até hoje minha mãe se lembra que nunca me bateu por falta de oportunidade.
Inteligente, educado e muito querido nas três cidades que fazem parte da nossa infância: Turmalina, onde ele nasceu; Virgem da Lapa, para onde foi trabalhar no IBGE, onde conheceu minha mãe, se casou e teve os cinco filhos; e por fim, Minas Novas, para onde toda a família se mudou há 50 anos. É brincalhão e quer muito viver até os cem anos. Em 2011, quando completou 80 anos, fizemos uma festa para ele. Somos católicos e, antes da comilança, teve uma celebração religiosa. Ao final, o padre pediu que ele dissesse algumas palavras. Sem cerimônia, ele pegou o microfone, agradeceu a presença de todos e convidou para o seu centenário. Tem um orgulho imenso de ser o mais longevo dos homens da família Machado. Minha avó, mãe dele, viveu 100 anos. Então, penso que ele também chega lá. Espero e agradeço a Deus por ele estar tão bem.
Com mais de 90 anos, ele não é mais o mesmo. Está no inverno da vida. Anda meio impaciente, frequentemente esquece algo, mas ainda transmite o respeito de sempre. Tem andado muito sensível também. Lembra do avô e dos tios que ajudaram minha avó na sua criação e chora. Passa muito tempo na sala de televisão, conversa muito menos do que antes, mas experimente dar atenção a ele. As lembranças vêm como enxurrada. E como ele gosta de falar do passado! A saúde? De ferro. Não parece a idade que tem. Quis fazer um retrato do meu pai aqui e acabei me emocionando. Passa um filme na cabeça ao lembrar de tantas histórias boas. Deve ser bom chegar a uma idade tão avançada e ser lembrado só por coisas boas. Quero ser como meu pai.
Caiu um cisco nos meus olhos…
Eu também me emocionei pra escrever.